CLICK ! [Versão conto 0.1]


CLICK !
[Versão conto 0.2]

Muitas pessoas já se perguntaram como seria ter um botão automático que pudesse mudar qualquer sentimento, pensamento ou sensação.
Dizem que um neurocientista austríaco criou tal geringonça a aproximadamente 20 anos, ele fora encontrado morto. Falam as más línguas que a indústria do entretenimento alcólico encomendou o crime. Também, imagine você! Se não precisássemos de cerveja, vinho, vodka, whisky ou absinto para aliviarmos nossos sentimentos mais obscuros, obtusos e deprimentes …. se fossemos para sempre felizes ...
Após a revolução neuronal tal produto se tornou de fácil fabricação e eu o criei a 8 anos
Durante toda minha vida tive um tipo de comportamento emocional muito raro, quase uma patologia, qualquer informação passasse por mim ecoava em meu peito com extrema potência.
Bem, em certos momentos posso me orgulhar disso, apesar de ser hilário me foi de muito incomodo. Me vi em diversas situaçõe ... digamos constrangedoras.

No enterro da tia avó de um amigo de família me vi chorando aos prantos pelo  seu falecimento embora quase não a tivesse conhecido enquanto todos estavam tranqüilos e me olhavam como uma aberração ...
Ou quando amigos vinham contar de um belo gol num jogo de futebol da série B , e Eu de um salto subto na minha imaginação estava comemorando como um louco de joelhos no chão com os punhos cerrados para o ar gritando: GOLAÇO!!!! GOLAÇO !!!!
Ou quando após me descreverem situações terríveis de pessoas que viviam em extrema miséria em lixões eu me vi vomitando ininterruptamente por 2 horas como se aquilo tivesse coabitado em mim …

Terrível né? Eu também acho, meu caro leitor …


Bem ... no trabalho tal tipo de comportamento bisonho e corriqueiro me atrapalhava muito, era uma energia estressada incontrolável, como a síndrome de Touret, me tomava o corpo e logo após a manifestação me via tomado por uma vergonha imensa, buchechas vermelhas e soando frio.
Poderia descrever diversas manifestações dessa síndrome, mas vamos a parte mais interessante da história ...

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Abandonei o trabalho, me isolei da família, dos amigos ... do mundo. Fui atrás de respostas.
Em uma das minhas travessias pelos portões do conhecimento mundano, após atravessar o Butão a pé e conhecer profundamente os costumes Ngalops e ser muito feliz nos chás com Kagyupa e Ningmaps. Me vi no Grande Tibet.
Passei aproximadamente 4 anos meditando (digo aproximadamente pois em tais estados contemplativos o tempo passa muito diferente do que estamos acostumados a perceber na vida da capital).

Eram meditações acerca dos corpos, Mahayaha e Vajrayana.
Em uma das minhas visitas aos templos das árvores do tempo encontrei um insight poderosíssimo que me fez entender de fato como os corpos emocionais do espírito se conectam a própria densidade sináptica do ser no corpo no mundo.
  
Corri direto para meu escritório, realizei uma pesquisa incessante obstinada  e obcecada acerca dos captadores neuroemotivos e acerca das funções funtivas dos afetus humanos. Depois de muito peneirar consegui parceiros para realizar um protótipo altamente funcional.

E é nesse momento que a nova realidade começa.

Meu propósito primevo era que todos tivessem acesso à felicidade e esse era o meu presente para o mundo uma dádiva da vida.
Batizamos nosso pequeno dispositivo de Click. Um neuro-magnetizador de ondas afectivas. Um alcance de ondas baixas sincronizado com o DNA do usuário. No começo a comercialização era feita apenas para as classe mais altas, depois o produto se popularizou.

Eu era o idealizador do projeto e fui o primeiro a utilizar o click durante longo período.
No começo era tudo tão excitante e livre, a felicidade era uma máquina acessível em um Click.

As irritações mais banais se tornavam engraçadas, as depressões rapidamente eram motivações para a superação, a tristeza dos amores perdidos um motivo para encontrar os próximos, as decepções com os erros humanos tão comuns e profundos se tornavam pequenas gotas de sabedoria em meu ser. 

A ansiedade profunda da pequenice de nossas vidas e de nossa existência se tornava um alívio perante o peso da responsabilidade gigante que é viver em um planeta doente.

A raiva de suprimir a desigualdade do planeta era superada por uma força absoluta que fazia tremer o chão e eu trabalhava fortemente para esclarecer os desavisados e estar em companhia dos seres de boa vontade.
Finalmente me sentia livre, meu âmago vivia cheio de satisfação, nada me afetava, eu não sentia mais nenhuma dor da existência.
Era um estado de suspensão consciencial, o observador da consciência búdica ou a mente sã daquele que trilha os caminhos da própria carruagem. Um poder absoluto de me ver em diversas situações e facilmente superá-las.
Em situações de perigo estava pronto para o confronto, na tristeza superava com a compreensão e na desilusão com a consciência.
Essa sensação, do início, era como uma droga poderosíssima, eu era o grande detentor da verdade, potência e controle sobre sí, a satisfação completa e infinita.
Bem, como toda droga essa sensação passou, após 3 anos me via controlando o âmago magnético de minhas sensações, e aquilo me incomodava. Eu era um peixe na redoma de um aquário, acreditando estar no mar. Um perfume que escondia o cheiro real de meu corpo humano. Um simulacro de mim mesmo. Uma casca decorativa na minha vida. Eu estava oco, sentindo me saciado.
Não chorava, não me incomodava, não me entristecia, não me revoltava, não sentia a raiva profunda, ou mesmo a imensa solidão, não lutava contra mim mesmo, nunca mais me vi desafiado, eu era amparado por um Click e estava tudo sempre tão … pronto.
Depois de um tempo percebi que estava viciado em me sentir sempre tão bem, e que aquele paraíso artificial fora criado por mim mesmo.

Nunca mais senti uma inquietação que fosse genuinamente minha. Queria gritar, enlouquecer, explodir o congresso mas a razão de um click robótico já me saciava. Aquilo era um absurdo! Eu precisava sentir! Gritar, me deprimir, enlouquecer as vezes e me incomodar definitivamente contra toda a mentira que criei pra mim mesmo!
Na revolta contra a hipocrisia humana me desfiz de minha maior conquista, o meu "presente" para o mundo, a minha dádiva da felicidade, dessincronizei o aparato de mim mesmo e fui viver a solidão e a tristeza, a raiva e a decepção.

Não digo que estou sozinho, mas não foram todos os seres que se desfizeram do click da mentira em si.
Redescobri, em mim, que a nossa força está na oscilação, os pequenos prazeres da dor de gerar calos em nossa mente e corpo, em nos fortalecermos através de nossos erros, de sentir o cheiro fétido de nós mesmo e sabermos que aquilo passará com o nosso próprio esforço e superação.
Não há felicidade para aqueles que não encontraram a tristeza absoluta, do mesmo modo que a inteligência não surge da mediocridade. E a força não aparece para aqueles que não saboreiam a fraqueza de ser humano.